21/04/2013

Heróis Nacionais - Joaquim José da Silva Xavier



Tiradentes: O homem por trás do mito

   Quando se fala em Tiradentes, logo se lembra de que fora o mártir da Inconfidência Mineira, o qual fora preso e morto por ter ousado confrontar a Coroa Portuguesa neste movimento que tinha o intuito de proclamar a Independência da Capitania de Minas Gerais. Mas, por trás de toda esta questão da luta pela liberdade, pelos direitos dos colonos brasileiros, pela autonomia da colônia perante a Metrópole, se esconde a verdadeira história e imagem de Tiradentes. Falarei aqui no geral, não me prendendo a maiores detalhes.



   Joaquim José da Silva Xavier, nascido em 1746 na Fazenda do Pombal, na época nas terras da Vila de São João del-Rei, hoje município de Ritápolis, MG. Fora filho de fazendeiros e ainda jovem perdera os seus pais, e acabou perdendo o direito sobre as terras, indo morar com seu padrinho. Aprendeu a profissão de minerador, comerciante, barbeiro e cirurgião-dentista, depois se tornou tropeiro e tentou abrir seu próprio negócio, mas acabou não dando certo. Entrou no exército, assumindo o posto de alferes (posto de baixo escalão), chegou a ser comandante da patrulha do Caminho Novo, no entanto por volta de 1787, perdeu o posto de comandante da patrulha, e posteriormente como não conseguiu ser promovido na carreira militar, largou o exército.
   
Então mudou-se para o Rio de Janeiro, onde viveu por cerca de um ano, tentou promover uma iniciativa pública para canalizar as águas dos rios Andaraí e Maracanã para melhorar a distribuição de água na cidade, mas o governou vetou sua proposta, isso o levou a retornar para Minas. O ano era de 1789, e já corriam ideias revolucionárias por algumas vilas mineiras, algo que atraiu o seu interesse. Joaquim José acabou ficando conhecido pelo apelido de Tiradentes devido a época que atuou como barbeiro e cirurgião-dentista, pois naquele tempo, era comum os barbeiros também arrancarem dentes.

   Quanto a sua ligação ao movimento dos inconfidentes, ele fora mais um dos seus membros, e não o líder ou um dos grandes idealizadores como se pensou por muito tempo, algo que de certa forma fora imposto para nós crermos; neste caso, ele executou um papel interessante neste movimento. Por ser um homem conhecido pelos pobres e pela elite de Minas, fora o seu mediador entre as duas classes.

   Em 1789 os inconfidentes motivados pela Independência das Colônias Americanas (1776), decidiram por em ação a sua iniciativa. Neste ano quando a Coroa impôs mais severamente a cobrança de impostos, chegando a proclamar a derrama (era o quinto ou 20% da produção de ouro que deveria ser paga a Coroa, se não fosse pago, ele iria acumulando, e chegando ao ponto de que a família que não tivesse como pagar o quinto, teria os bens confiscados em seu valor) como obrigação para aqueles que não pagassem os impostos, os inconfidentes começaram agir. A ideia da Inconfidência não era apenas protestar contra a derrama, mas tentar mobilizar o povo mineiro a iniciar uma revolução para se proclamar a independência de Minas Gerais e se fundar uma república. 

   Naquela noite de 15 de março, os inconfidentes saíram as ruas prontos para lutarem por seus ideais e direitos, contudo o movimento não dera certo. Joaquim Silvério dos Reis (membro dos inconfidentes) traiu os demais e delatou o plano as autoridades. Neste caso, muitos conseguiram fugir na época, o próprio Tiradentes fora preso em 10 de maio no Rio de Janeiro, enquanto estava de licença e visitava um amigo. Tiradentes fora avisado que as autoridades estavam a procura dos inconfidentes, e ele acabou mesmo assim sendo descoberto.

Prisão de Tiradentes, por Antônio Diogo da Silva Parreiras, 1914.

   Tiradentes ficou preso na "Cadeia Velha" localizada no subterrâneo do prédio da antiga Câmara do Rio de Janeiro, hoje sobre o local encontra-se o atual Palácio de Tiradentes, sede da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Durante os quase quatro anos que ficara preso, o processo do julgamento dos inconfidentes ainda se desenrolava na justiça, até que naquele ano de 1792, chegara a um veredicto. E é a partir deste momento que a história de Tiradentes começa ser mitificada.

Palácio Tiradentes, Rio de Janeiro

   De acordo com a história, ele teria se responsabilizado por todos os planos do movimento de inconfidência, sendo assim, os demais membros capturados foram libertos da pena de morte, mas foram punidos de outras formas, muitos acabaram sendo exilados para fora do país. Deve-se ter em mente que alguns dos inconfidentes eram membros do Exército como tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, comandante dos Dragões e o coronel Domingos de Abreu e Viera, além de também entre os membros terem estado, padres, artistas, funcionários públicos, mercadores, etc. Restando à Tiradentes a pena de morte por seus crimes, julgados de lesa-majestade (crimes contra o soberano e a Coroa). Em 21 de abril de 1792, Joaquim José da Silva Xavier fora condenado a pena de enforcamento, como atesta sua sentença:

   “Justiça que a Rainha Nossa Senhora manda fazer a este infame Réu Joaquim José da Silva Xavier pelo horroroso crime de rebelião e alta traição de que se constituiu chefe, e cabeça na Capitania de Minas Geraes, com a mais escandalosa temeridade contra a Real Soberania, e Suprema autoridade da mesma Senhora que Deus guarde.
   Manda que com baraço (corda ou laço para estrangular) e pregão seja levado pelas ruas públicas desta cidade ao lugar da forca, e nela morra morte natural para sempre e que separada a cabeça do corpo seja levado a Villa Rica, donde será conservada em poste alto junto ao lugar da sua habitação, até que o tempo a consuma; que seu corpo seja dividido em quartos, e pregados em iguais postes pela Estrada de Minas nos lugares mais públicos, principalmente no da Varginha, e Sebolas; que a casa da sua habitação seja arrasada, e salgada, e no meio de suas ruínas levantado um Padrão em que se conserve para a posteridade a memória de tão abominável Réu, e delicto, e que ficando infame para seus filhos, e netos lhes sejam confiscados seus bens para a Coroa e Câmara Real. Rio de Janeiro, 21 de Abril de 1792”. (Aj G – Bol da PM nº. 053 - 18 ABR 2008 – Fls. 3).


Martírio de Tiradentes, Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo.

   A imagem é um tanto dramática, onde mostra um homem cobrindo a face, como se estivesse chorando ou envergonhado, enquanto um frei ou padre clamavam ao Céu, como se tivesse pedindo piedade pela alma de Tiradentes. 

   Com após quase quatro anos de prisão, este veio as ser enforcado na antiga Praça do Campo da Lampadosa (atualmente Praça Tiradentes) e depois seu corpo fora esquartejado e os pedaços espalhados pela cidade do Rio de Janeiro e pela estrada que levava a Vila Rica (atual Ouro Preto), na época, capital de Minas Gerais. Algumas versões sugerem que o seu enforcamento fora uma encenação, que ele havia sido assassinado na prisão. Outros relatos apontam que sua cabeça, a qual fora pregada em um poste na praça de Vila Rica, teria sido roubada depois. 



Vista área da Praça Tiradentes no Rio de Janeiro, local onde em 21 de abril de 1792, Tiradentes fora enforcado.

   Ao centro da praça se encontra a estátua equestre do imperador D. Pedro I, construída vários anos depois da morte de Tiradentes. 
   Mas após a morte de Tiradentes, somente quase um século depois é que ele viria a ser lembrado na História, e se tornaria um mártir e um "herói nacional". Fora durante o processo republicano que culminaria na Proclamação da República em 15 de novembro de 1889, onde ele passaria a ser lembrado como um herói. Até lá, Tiradentes viveria em um hiato temporal.

Mas como fora que ele se tornou um mártir, um herói?

   Tudo começou com os ideais republicanos. Os republicanos buscavam a imagem ou a representação de um herói popular para retratar os ideias republicanos. Ídolos são poderosas formas de se proclamar alguma ideia. Entre as diversas revoltas que aconteceram, dentre as mais importantes estiveram a Conjuração Baiana (1798), a Revolução Pernambucana (1817), a Guerra dos Farrapos (1835-1845) e a Guerra do Paraguai (1864-1870).

   Dentre todos estes movimentos muitas pessoas participaram, e muitos eram os candidatos a serem heróis populares, mas por quê a escolha de Tiradentes? Os motivos são vários, mas, dentre eles está o fato de que fora relativamente um homem conhecido no movimento da Inconfidência Mineira, fora um homem da classe baixa (intuito de se remeter a questão do "povo", do "popular"), fora o único a ser culpado e executado e teve a execução presidida por discursos que salvavam e glorificavam a rainha Dona Maria I (neste caso a questão de que ele antes de morrer fora "agredido" pela veneração a rainha, a quem combatera. Isso reafirmava a ideia dos republicanos, pois eles viram na pessoa do alferes um "rebelde contra a opressão da monarquia portuguesa"; isso era algo que eles queriam incentivar no povo brasileiro, que o republicanismo seria a liberdade da opressão monárquica). 

   Sendo estes e outros motivos, ele fora o escolhido para ser o representante, contudo ainda faltava uma questão a ser resolvida, a sua imagem, sua retratação. Hoje Tiradentes é retratado com tivesse sido um homem de longa barba e cabelos, semelhante a imagem de Jesus Cristo, fato este devido a ele ter passado quase quatro anos na cadeia, e não poder ter cortado os cabelos e feito a barba?

   Na realidade a história é outra. Primeiro, Tiradentes serviu no exército, era alferes, sendo assim ele não poderia ter os cabelos e a barba longos, no máximo um bigode. Segundo, enquanto esteve na prisão era comum os presos terem as cabeças raspadas ou cabelos curtos e a barba feita, para se evitar problemas com piolhos, algo comum em muitas prisões antigas, pois os presos não tinham o direito de tomar banho com frequência, e para se evitar a proliferação de piolhos, era comum ter os cabelos e a barba aparados. Porém, se ele não cortou os cabelos ou fez a barba, três anos e alguns meses é um bom tempo para tudo isso crescer. A imagem abaixo seria de fato a retratação mais próxima de sua realidade, de como ele teria se vestido e de como poderia ter sido sua aparência.

Tiradentes retratado vestindo o uniforme de alferes.

   Com isso, a ideia de se representar Tiradentes com cabelos longos e barba, parecido com Jesus, era uma forma de se reforçar sua mitificação, e a imagem de "bom homem". Além do mais, o Brasil desde a época colonial e até hoje é predominantemente católico, e Jesus Cristo era a figura mais conhecida pelo povo. Logo, tornar Tiradentes parecido com Jesus, era uma boa maneira de torná-lo conhecido aos olhos da nação, e reforçar sua importância.    

   Concluído esta mitificação da imagem de Tiradentes, os representantes republicanos lhe consagraram uma data comemorativa que de fato veio a se tornar feriado nacional, o dia 21 de abril (curioso que se comemora o feriado de Tiradentes, e quanto ao Descobrimento do Brasil, quase que passa em branco todos os anos, embora questiona-se se fora ou não um descobrimento, ou uma invasão ou usurpação, mas o Brasil "nasceu" naquela data de 22 de abril, quer queira ou não).

   Atualmente pode se visitar a cidade Tiradentes em Minas Gerais (nome dado em homenagem ao mártir), o Museu Tiradentes em Manaus, o Palácio Tiradentes no Rio; o Museu da Inconfidência em Ouro Preto; além de uma série de praças, ruas, estações, escolas, etc., com o nome Tiradentes. Tiradentes também é conhecido como Patrono Cívico do Brasil,Patrono da Polícia (devido ao ofício de alferes) e Herói Nacional. De fato, 21 de abril também é o Dia da Polícia Civil e Militar no Brasil. 

   Se Tiradentes realmente fora um grande líder como dizem ser, não saberemos ao certo. No entanto sua imagem, o tornou grande.

NOTA: O Partido Republicano surgiu no Brasil nos anos de 1870, no Rio de Janeiro. Em pouco tempo, passou a ter seguidores em São Paulo, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.


NOTA 2: A antiga Vila de São José do Rio das Mortes, fora rebatizada com o nome de Tiradentes, o qual conserva até hoje.

NOTA 3: Caminho Novo, era uma das estradas reais que ligava a zona mineradora a cidade do Rio de Janeiro. Tiradentes atuou na chefia da patrulha dessa estrada por alguns anos. 

NOTA 4: Tiradentes não chegou a se casar, mas tivera um romance com Antônia Maria do Espírito Santo, como quem tivera uma filha, chamada Joaquina da Silva Xavier. Alguns historiadores salientam que ele também tivera outros filhos. Além disso, sabe-se que ele teve netos, bisnetos, trinetos e até mesmo tetranetos. 

NOTA 5: A Praça de Tiradentes em Ouro Preto (antiga Vila Rica), era chamada no século XIX de Praça da Independência. O nome mudou em 1894, quando o governo republicano mandou ali erguer uma estátua em homenagem ao inconfidente. 

NOTA 6: A cidade de Brasília, atual capital do Brasil fora inaugurada oficialmente em 21 de abril de 1960. A data fora escolhida para contrastar com o feriado de Tiradentes, como uma referência ao simbolismo republicano construído sobre sua pessoa. 

Referências Bibliográficas:
CHIVIANETO, Júlio José. As várias faces da Inconfidência Mineira. São Paulo, Contexto, 1989. 
MEIRELES, Cecilia. Romanceiro da Inconfidência. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2005.
JARDIM, Marcio. A Inconfidência Mineira: uma síntese factual. Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército Editora, 1989.

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